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315 estórias

Monday, April 05, 2010

Jomarte



 Comandante Guélas

Série Paço de Arcos

Ainda o século XXI era uma miragem e já Paço de Arcos possuía um espaço comercial equivalente ao actual Shoopping de Oeiras: a Jomarte! Aqui se realizavam os sonhos de todas as idades, as montras eram um hino ao bom-gosto e ao profissionalismo, puro e duro. E tudo isto se devia a um visionário único no mundo, o elegante Bigornas, proprietário desta oitava maravilha, que combinava fotografia, biblioteca e ferro-velho. A vitrina principal ostentava para a rua o maior cabeçudo da região, o auto-proclamado Rudolfo Valentino da Tapada do Mocho. Tinha ido expressamente falar com o responsável pela galeria pedindo-lhe, de joelhos, que expusesse a sua sensual cara, avaliação exclusiva do próprio, para que as miúdas nunca mais esquecessem tão vil e formoso focinho. Ficou então ao lado das fotos do casamento do Craveiro Lopes e da Quitéria Barbuda, uma iniciativa do Centro Paroquial de Paço de Arcos, que representou para a noiva a possibilidade de passar um dia da sua vida sem levar nos cornos, situação que se ia alterando no final da boda quando o Craveiro pegou numa cadeira para tentar arrear na dama. Assim, o cabeçudo estava bem acompanhado, até dava a impressão de ser o rebento do casal mais famoso da vila. Quando o cliente entrava na loja deparava de imediato com o motor do “peidociclo” do mano Zé e com um vasto balcão, semeado de fotografias de passe de metade de Paço de Arcos, todas a preto e branco. E a loja era tão original, que o cliente poderia ter de ficar o dia todo à espera para ser atendido, arriscando-se a maior parte das vezes a ter de voltar no dia seguinte, caso o senhor Bigornas tivesse iniciado, na divisão dos fundos, de acesso reservado ao Gang, a leitura de um novo livro de quadradinhos. E geralmente era isto que acontecia! Para lá do balcão a gruta abria-se numa vasta galeria, a sala das fotos, com palco e cortinas de espectáculo, onde o patrão limpava as mãos após uma mudança de óleo. Nestas ocasiões o senhor Bigornas colocava-se atrás de uma caixa com um trapo, punha a mão numa determinada posição, dava ordem para olharem para ela, e mal os olhos se fixavam no sensual dedo gordo com óleo (de 20.000Km), “zás”, saia um relâmpago que punha toda a gente como o OMO, incluindo o único não caucasiano da zona, o Zé Preto. E pronto, uma semana depois era só ir levantar a obra de arte, constituída pelas fotos e uma saqueta de plástico que ostentava o nome “Jomarte” e um desenho estilizado que representava o artista em pose de trabalho, atrás de um objecto. Nunca se soube, no entanto, se era uma mota ou uma máquina fotográfica. Após recolher o produto o cliente ia sempre para a estação de Paço de Arcos renovar o passe. Já no fim da vida da loja, com os clientes a dar a volta à praceta, o Bigornas resolveu comprar a máquina de fotocópias mais moderna da Península Ibérica, começando de imediato a dar desconto aos estudantes. Mas foi sol de pouca dura. Ao fim de uma resma de papel estava de rastos e cheio de saudades dos seus “Major Alvega”.

2 comments:

Rui Bitton said...

E deste ultimo capitulo nasceu a celebre grito de guerra do enorme Bigornas "Trás que eu compro".

Aida Freitas Ferreira said...

A Jomarte foi o estúdio de um dos maiores fotógrafos portugueses - João Martins - que para além da fotografia fez cinema, tendo trabalhado como director de fotografia em alguns dos consideráveis como é o caso do fantástico Aniki BóBó..